Esta é a reprodução de um artigo publicado na edição Maio/Junho 2010 do jornal da Quercus sobre as turfeiras dos Açores e que pretende, uma vez mais, contribuir para o conhecimento de um dos ecossistemas, por um lado, mais desconhecido e por outro um dos mais importantes em termos hidro-ecológicos deste Arquipélago.
Este artigo assume uma postura detalhada e descreve um dos tipos identificados por Dias (1996) e descritos em pormenor por Mendes (1998).
Existem no arquipélago dos Açores 3 grandes tipos de turfeiras, as turfeiras de Sphagnum (na literatura internacional assumidas como bogs), as turfeiras de herbáceas (na literatura internacional assumidas como fens) e as turfeiras florestadas. Aqui descreve-se um dos tipos de turfeiras de Sphagnum, designadas de base. Este género de turfeira é caracterizado, tal como seu nome indica, por se formar na base de vales endorreicos pronunciados, sendo normalmente habitats de pequenas dimensões e frequentemente representam a fase avançada da evolução de uma lagoa. A impermeabilização destes locais ocorre devido à formação de um horizonte de ferro e magnésio, designado de plácico, típico de solos vulcânicos onde se verifica altos níveis de precipitação. Em termos de tipo de tapete geológico, nos locais onde ocorrem estas turfeiras dominam os materiais pomíticos.
Estas formações, em zonas de média/alta altitude, encontram-se com frequência associadas a zonas de explorações agro-pecuárias representando, em muitos casos, o único local que não foi alterado uma vez que o encharcamento e a presença de turfa não possibilitaram a sua mobilização (arroteia). Embora com algum grau de distúrbio associado, são formações naturais que sobreviveram à acção humana. Nas zonas de vegetação natural são manchas que se restringem a zonas de acumulação de água como pequenos vales, onde o encharcamento é extremo e não permite o desenvolvimento de espécies arbustivas ou arbóreas. Esta tipologia de turfeiras é frequente em ilhas como Terceira, Pico e Flores.
Em termos de microrelevo (relevo intrínseco da turfeira) os limites desta turfeira são ricos em hummocks (estruturas sobrelevadas), a sua ocorrência poderá justificar-se pelo movimento lateral de água que, arrasta nutrientes das margens envolventes da turfeira, proporcionando o desenvolvimento de espécies vasculares, mais exigentes quer em termos nutritivos quer em termos de oxigénio. Assim as águas minerotróficas que atingem a turfeira são provenientes do arrastamento pela encosta (extremos) e as águas ombrotróficas são provenientes da chuva e intercepção de nevoeiros (toda a turfeira). A zona de hummocks é tanto mais larga quanto menos declivosa for a encosta envolvente, devido ao movimento lateral da água, que tende a ser em profundidade em locais mais declivosos (perfil transversal típico destas turfeiras na Figura 1). Na zona mais interior da turfeira encontra-se a zona de águas paradas, onde domina o lawn (zonas planas). Neste tipo de turfeiras a água está geralmente à superfície, ou perto desta.
Neste tipo de turfeira foram encontradas 76 espécies distintas, existindo em média 24 espécies por turfeira. De realçar que apenas 18 espécies possuem uma frequência superior a 20%. Estes ecossistemas são habitat de uma série de espécies protegidas pela Directiva Habitats das quais se realça a Culcita macrocarpa, a Erica azorica, entre outras, sendo eles próprios protegidos também pela mesma Directiva comunitária.
Em termos de comunidades que se desenvolvem neste tipo de turfeira (cuja existência foi comprovada por Mendes, 1998), as principais são as designadas de Esfagno puro (dominadas por plantas do género Sphagnum) e as de Eleocaris (dominadas por Eleocharis multicaulis), em zonas de lawn (vista aérea de distribuição de comunidades típica na Figura 1). Nos extremos dominam hummocks de Politricum (dominadas por Polytrichum commune), bem como (embora com menos frequência), Juniperus (dominadas por Juniperus brevifolia) e/ou Erica (dominadas por Erica azorica). Nas zonas baixas (hollows) da extremidade, de uma forma geral domina a comunidade de Juncus dominadas por Juncus effusus).
Estas pequenas turfeiras são extremamente importantes considerando a realidade insular, de recursos limitados, tratando-se de reservatórios de acumulação de água com um importante contributo para a salvaguarda dos recursos hídricos quer a nível de qualidade quer a nível de quantidade, principalmente nas zonas a média altitude, onde predomina áreas agrícolas, com incidências comprovadas de poluição associadas à melhoria da pastagem com uso de fertilizantes e presença de animais em pastoreio (dejectos e pisoteio). Estas formações promovem a “limpeza” das águas (devido à capacidade de troca catiónica dos Sphagnum) antes que estas atinjam a toalha freática em profundidade. Além disso, com o crescente fenómeno de fragmentação da paisagem estas turfeiras de base constituem pequenos corredores ecológicos de ligação entre os grandes maciços de áreas naturais. São locais de passagem de aves aquáticas nomeadamente aves visitantes, cuja presença contribui para a disseminação de sementes entre e para as áreas naturais.
Cândida Mendes* e Eduardo Dias Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores. GEVA.Terra Chã. 9700 Angra do Heroísmo*Email: cmendes@uac.ptWeb page GEVA: www.angra.uac.pt/geva
Referências:
Dias, E. (1996). Vegetação Natural dos Açores. Ecologia e Sintaxonomia das Florestas Naturais (Natural Vegetation of Azores. Ecology and Syntaxonomy of Natural Forests). Ph. D. Dissertation. Azores University. Department of Agriculture Sciences. Angra do Heroísmo. 302 pp.
Mendes C. (1998). Contributo para a Caracterização de Turfeiras de Sphagnum spp. na ilha Terceira. Relatório de estágio. Universidade dos Açores.
Estas formações, em zonas de média/alta altitude, encontram-se com frequência associadas a zonas de explorações agro-pecuárias representando, em muitos casos, o único local que não foi alterado uma vez que o encharcamento e a presença de turfa não possibilitaram a sua mobilização (arroteia). Embora com algum grau de distúrbio associado, são formações naturais que sobreviveram à acção humana. Nas zonas de vegetação natural são manchas que se restringem a zonas de acumulação de água como pequenos vales, onde o encharcamento é extremo e não permite o desenvolvimento de espécies arbustivas ou arbóreas. Esta tipologia de turfeiras é frequente em ilhas como Terceira, Pico e Flores.
Em termos de microrelevo (relevo intrínseco da turfeira) os limites desta turfeira são ricos em hummocks (estruturas sobrelevadas), a sua ocorrência poderá justificar-se pelo movimento lateral de água que, arrasta nutrientes das margens envolventes da turfeira, proporcionando o desenvolvimento de espécies vasculares, mais exigentes quer em termos nutritivos quer em termos de oxigénio. Assim as águas minerotróficas que atingem a turfeira são provenientes do arrastamento pela encosta (extremos) e as águas ombrotróficas são provenientes da chuva e intercepção de nevoeiros (toda a turfeira). A zona de hummocks é tanto mais larga quanto menos declivosa for a encosta envolvente, devido ao movimento lateral da água, que tende a ser em profundidade em locais mais declivosos (perfil transversal típico destas turfeiras na Figura 1). Na zona mais interior da turfeira encontra-se a zona de águas paradas, onde domina o lawn (zonas planas). Neste tipo de turfeiras a água está geralmente à superfície, ou perto desta.
Neste tipo de turfeira foram encontradas 76 espécies distintas, existindo em média 24 espécies por turfeira. De realçar que apenas 18 espécies possuem uma frequência superior a 20%. Estes ecossistemas são habitat de uma série de espécies protegidas pela Directiva Habitats das quais se realça a Culcita macrocarpa, a Erica azorica, entre outras, sendo eles próprios protegidos também pela mesma Directiva comunitária.
Em termos de comunidades que se desenvolvem neste tipo de turfeira (cuja existência foi comprovada por Mendes, 1998), as principais são as designadas de Esfagno puro (dominadas por plantas do género Sphagnum) e as de Eleocaris (dominadas por Eleocharis multicaulis), em zonas de lawn (vista aérea de distribuição de comunidades típica na Figura 1). Nos extremos dominam hummocks de Politricum (dominadas por Polytrichum commune), bem como (embora com menos frequência), Juniperus (dominadas por Juniperus brevifolia) e/ou Erica (dominadas por Erica azorica). Nas zonas baixas (hollows) da extremidade, de uma forma geral domina a comunidade de Juncus dominadas por Juncus effusus).
Estas pequenas turfeiras são extremamente importantes considerando a realidade insular, de recursos limitados, tratando-se de reservatórios de acumulação de água com um importante contributo para a salvaguarda dos recursos hídricos quer a nível de qualidade quer a nível de quantidade, principalmente nas zonas a média altitude, onde predomina áreas agrícolas, com incidências comprovadas de poluição associadas à melhoria da pastagem com uso de fertilizantes e presença de animais em pastoreio (dejectos e pisoteio). Estas formações promovem a “limpeza” das águas (devido à capacidade de troca catiónica dos Sphagnum) antes que estas atinjam a toalha freática em profundidade. Além disso, com o crescente fenómeno de fragmentação da paisagem estas turfeiras de base constituem pequenos corredores ecológicos de ligação entre os grandes maciços de áreas naturais. São locais de passagem de aves aquáticas nomeadamente aves visitantes, cuja presença contribui para a disseminação de sementes entre e para as áreas naturais.
Cândida Mendes* e Eduardo Dias Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores. GEVA.Terra Chã. 9700 Angra do Heroísmo*Email: cmendes@uac.ptWeb page GEVA: www.angra.uac.pt/geva
Referências:
Dias, E. (1996). Vegetação Natural dos Açores. Ecologia e Sintaxonomia das Florestas Naturais (Natural Vegetation of Azores. Ecology and Syntaxonomy of Natural Forests). Ph. D. Dissertation. Azores University. Department of Agriculture Sciences. Angra do Heroísmo. 302 pp.
Mendes C. (1998). Contributo para a Caracterização de Turfeiras de Sphagnum spp. na ilha Terceira. Relatório de estágio. Universidade dos Açores.
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