segunda-feira, 26 de julho de 2010

E porque não dizemos nada...

Dedicado ao Dr. Frederico Cardigos, pela sua explicação "extraordinariamente" inquietante dada hoje ao Atântico Expresso. Não menos extraordinário é o facto da comunicação social não fazer as perguntas incómodas, nem questionar outras alternativas aos aterros que não a incineração (ah perdão, o termo politicamente correcto é valorização energética). Afinal temos que dar a mão à palmatória: o Dr Frederico tinha a lição muito mais bem estudada, ou não fosse o seu mestre Álamo Menezes.
E atenção que isto não é uma questão pessoal. Eu fui das que acreditou nessa equipa e nesse projecto. Desiludi-me. Talvez seja um dos desígnios modernos da politica: desiludir aqueles que um dia acreditaram neles.

Na primeira noite, eles aproximam-se
e colhem uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem,
pisam as flores, matam o nosso cão.
E não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles, entra
sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua,
e, conhecendo o nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.

E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada.

Maiakovski (1893-1930)

Depois de Maiakovski… Escreveu Bertold Brecht (1898-1956)

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho o meu emprego
Também não me importei
Agora estão a levar-me
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo

E, hoje, indignada, escrevo:

Primeiro eles cortaram as árvores, mas como não eram minhas eu não me importei.

Em seguida rodearam as praias, as baías e as lagoas de betão, mas como havia o futebol, as touradas e os festivais, não me incomodei.

Depois deixaram o nosso mar a saque porque as vacas parecem ser sempre mais importantes, mas como até gosto mais de carne do que de peixe, não me incomodei.

Depois rasgaram montanhas, violaram Fajãs, abriram feridas na paisagem, mas como disseram que era progresso, eu não me importei.

Agora querem incinerar o lixo, contaminar o nosso ar puro, comprometer a saúde dos açorianos, e fazer-nos acreditar que isso é tudo muito bom, mas como até dá trabalho separar o lixo e porque é Verão, e temos todos mais que fazer, ninguém se incomoda, ninguém se importa, ninguém faz nada.

15 comentários:

Maria José Sousa disse...

Ai amiga, este está mesmo forte! Estou uma vez mais orgulhosa de ti! Beijinhos e força, sempre em frente, porque nós realmente nos importamos! Nós queremos fazer a diferença!

Anónimo disse...

A verdade é que os argumentos a favor da incineração com valorização energética, permitindo a produção de energia electrica são bastante convincentes e razoaveis e a avaliar pela vossa propria sondagem no vosso site a maioria das pessoas concorda com esta solução que me parece de facto a melhor. De referir ainda que se em paises desenvolvidos e ambientalmente responsaveis com opinião publica activa e informada é uma pratica aceite e até recomendada especialmente para terriotrios insulares (Dinamarca)....não percebo a razão de tanto alarido...ou querem mesmo acreditar que vamos todos morrer cancerosos e intoxicados com as emissões atmosfericas resultantes dessa queima de lixo???...se assim fosse não acham que nesses paises já algo teria mudado? não estamos a falar da China nem dos USA..mas de paises evoluidos no norte da Europa...tenho as minhas duvidas...acho que antes de partir para posições tão radicais deveriam debater e estudar melhor a questão!

Ana Monteiro disse...

Caro anónimo,
http://quercus-saomiguel.blogspot.com/2010/07/valorizacao-energetica-aka-incineracao.html
Nem tudo o que se faz em países mais desenvolvidos que o nosso é bom e que não é por certos países terem centrais nucleares, que nós nos devemos precipitar e instalar igualmente este tipo de produção de energia. Os Estados Unidos são o exemplo de um país desenvolvido e, estou certa de que você, não estará interessado em ter no seu quintal, muitas das modernices que por lá existem. A solução para os Açores terá que ser a melhor para os Açores e não porque é a melhor solução na Dinamarca! Para além disso, como já ficou demonstrado no Continente, por diversas vezes, ninguém quer incineração no seu em frente da sua porta.

Ana Monteiro disse...

Acerca da sondagem do blogue poderia ser dita muita coisa, a começar pelos computadores de onde foram efectuadas as votações.mas como isto não é uma brincadeira, não vou entrar por aí. O que está em causa não é a minha opinião nem a sua, mas o que é melhor para os Açores e as alternativas não foram sequer discutidas à luz do PEGRA. A incineração há poucos anos não era uma boa opção aos olhos do Governo, mas de repente é a melhor opção tecnológica! Bem sei que as tecnologias evoluiram, mas essa evolução é tanto ou mais evidente para as outras opções tecnológicas, como o tratamento mecânico e biológico, compostagem, vermicompostagem.

Ana Monteiro disse...

A luta contra a incineração não se pode reduzir ao "acha que vamos morrer todos de cancro?". É uma questão de justiça ambiental! A solução passa sempre pelos 3 Rs : Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Mas claro que é mais fácil queimar do que educar. As soluções a curto prazo sempre foram mais queridas aos políticos do que aquelas que implicam um trabalho a longo prazo, independentemente do que é melhor para o povo que lhes confia o voto e o poder.
A queima de resíduos, com apoio governamental, resulta que muitas vezes não é conhecido o impacto ambiental de tal prática. Primeiro diz-se que são se vão queimar o mínimo possível de resíduos (aqueles impossíveis de tratar) mas em todos os casos verifica-se que passado um tempo começam a queimar-se toneladas.Aliás como ficou bem patente nas declarações do Sr Director Regional do Ambiente "o projecto apenas abrangerá os resíduos indiferenciados gerados, mas se a certa altura se considerar que o balanço ambiental é mais adequado com a sua transformação em energia do que com outra utilização, esta possibilidade terá de ser equacionada, sem que nos precipitemos em dogmas de outros tempos, sempre endo em conta qual será a melhor solução tendo como meta o balanço ambiental e não outro". Ao menos vai logo dizendo que é para queimar mais qualquer coisa! Como se não soubessemos. Até que quanto mais resíduos queimados maior lucro para o negócio.

Ana Monteiro disse...

A alternativa ideal é reduzir a produção de resíduos, incentivar a não-produção de resíduos perigosos, taxar a sua produção, negociar e impor metas claras de redução, incentivar a mudança para melhores processos de fabrico, melhorar a eficácia desses processos, incentivar a substituição para produtos menos perigosos, etc. O caminho é deixarmos de tratar os resíduos como “lixos”, e incentivar a sua reutilização e/ou reciclagem noutros processos industriais;É seguir uma política dura de fiscalização e obrigatoriedade em de declarar ou registar os seus resíduos provenientes das diversas actividades económicas.Estou certa que estas alternativas também existem em países mais desenvolvidos, como a Dinamarca, mas vão certamente demorar muito tempo a introduzir nas nossas mentalidades de ervilha. Por fim, as histórias de êxito são acções pela promoção,implementação de planos de redução de resíduos, e/ou acções que desmascaram incineradores disfarçados de valorização de energia.
Alternativas à incineração existem como esta: http://www.no-burn.org/
ah, mas ler dá trabalho...

RS disse...

Cara Ana Monteiro,


deixe-me primeiro felicitá-la pela coragem do seu post. Já antes a tinha na conta de uma corajosa jovem mas ainda mais agora. Entretanto, permita-me também avaliar o que diz como homem bastante mais velho e experiente que sou, sobretudo pela vêemencia com que você está a responder aos comentários, 3 respostas a um só comentário parece-me desmedido e juvenil. Não perca a razão.

Apenas com a leitura do seu post, eu fiquei com a ideia que na realidade você estava desiludida não com a equipa mas com a pessoa. Tenho acompanhado os seus escritos, onde é muito clara a sua crítica a Álamo Menezes e sua política e o seu enaltecimento de Frederico Cardigos até hoje. Os argumentos que hoje apresenta levam a crer que a sua súbita desilusão é, ao contrário do que diz, pessoal, no sentido de ser em relação à pessoa. Perdoe-me se já agora acho que tem todo o aspecto de também parecer uma desilusão bastante feminina no de repente, na zanga frustrada e na juventude. Para não perder a razão, não devia tratá-lo pelo primeiro nome (como faz repetidamente no post) mas sim pelo cargo que ele tem. Afinal é um director regional, bom ou mau, e ao público pouco interessa se a Ana o conhece bem ou mal. Devemos manter respeito e sobretudo distância quando criticamos alguém publicamente.

Além disso, quando a Ana diz que ele é um pupilo de Álamo Menezes, incorre num erro. Ele já vem do tempo de Ana Paula Marques, portanto deve ser pupilo antigo. Concordo consigo, claro que ele traz a lição governamental muito bem estudada, mas o que é que a Ana esperava? Um director regional é uma peça da máquina e não um ambientalista. Nunca irá defender o que a Ana defende. Em privado e em conversa consigo podem concordar, mas em público a conversa é inteiramente diferente e oposta à sua opinião. Só assim, cara Ana, é que ele pode continuar a ocupar a posição que detem.

Permita-me que lhe diga que tem de se deixar de ilusões. Ao dizer amargamente "os políticos desiludem quem acredita neles" como se ele lhe tivesse prometido algo e agora lhe desse uma facada, convença-se que todo e qualquer político gosta de uma pessoa: ele mesmo. Com certeza, mesmo a sua juventude é capaz de entender que o senhor director salva-se a si. As amizades, com a Ana ou outros, são absolutamente secundárias. Por favor, Ana, não seja tão "verde" na sua crítica.

Ana Monteiro disse...

Caro RS: dá a entender no seu comentário que eu nutro alguma amizade e admiração pelo Senhor Director Regional do Ambiente e uma antipatia pelo Sr Secretário do Ambiente e do Mar. Deixe-me dizer-lhe que isto não é verdade. O que lhe posso dizer é que sim, tinha boas expectativas em relação a estes dois líderes devido á sua formação de base, ao seu currículo e à sua experiência. E isto aplica-se a ambos.
E,na minha opinião o ambiente está hoje melhor, em muitos aspectos, do que estava no tempo da Dra Paula Marques. Agora, deixe-me discordar de si quando acho que não faltei ao respeito a ninguém, pois sempre realcei o que de bom e não apenas o mal)se tem feito a nível do ambiente nos Açores, quer seja iniciativa do Governo ou não. Em relação ao manter ou não o distanciamento,o facto de não ter tratado o Dr Frederico Cardigos pelo cargo que ele tem, não tem qualquer significado Freudiano e o post foi a ele dirigido, porque a referidas explicações publicadas ontem no Atlântico Expresso eram da sua autoria. Da próxima terei mais etiqueta. Obrigada pela recomendação. Agora o que não poderei deixar de ter é o direito de me indignar. E indigno-me não por frustração do Sr Director Regional não ser um ambientalista. Um Director Regional nunca poderá ser uma ONG mas também não poderá ser (na sua visão redutora) uma "peça de uma máquina".Os líderes do ambiente nos Açores tem mais é que fazer o que for melhor para o Ambiente dos Açores e a incineração não é o melhor. Não confunda indignação com criancice ou com humores femininos.I still care!

RS disse...

Ana Monteiro, repare... Se o Ambiente está hoje melhor do que estava no tempo de Ana Paula Marques, então deverá creditar isso ao actual Secretário Regional, porque o Director Regional continua a ser o mesmo que era na época da dita senhora! Perdoe, mas realmente esta parte não percebi a não ser que esteja mesmo a dizer que o director cumpre as "ordens governativas" quaisquer que elas sejam boas ou más e aí dou-lhe mais parabéns porque começo a ver em si um lado irónico que eu desconhecia.

Não considero que a minha visão seja redutora. Penso que a sua é idealista. Deve tê-la e ainda bem que a tem porque pertence a este tipo de associação. Porém, para sua própria protecção e para protecção dos seus ideais não devia depositar tantas esperanças nos governantes quaisquer que eles sejam. Um governante é um homem (e porque não uma mulher, talvez a Ana tenha aspirações nesse sentido) cujos sorrisos, anuências e simpatias têm como único fim conquistar os outros para a sua causa, governativa ou oposta ao governo. Cara Ana, um cientista que começa a ser político deixa de ser um cientista. O Ambiente nos dias que correm é apenas algo que vende bem para os políticos. De novo lhe digo - a ilusão foi sua, com a idade verá que tenho razão.

Ana Monteiro disse...

Agradeço as suas preocupações, mas este é um post acerca da incineração e não acerca das de leitura de personalidades (talvez tenha aspirações nesse sentido). E como já referiu ser um homem mais velho e experiente, porque não nos brinda com a sua opinião sobre o que afinal é o tema deste post - a incineração que está prestas a acontecer nos Açores. E se a minha preocupação com o assunto é ser idealista, que lhe chamem idealismo. É bom ter ideais (não confundir com ingenuidade ou ilusão). É mau ser radical e a minha postura nunca foi fundamentalista. Tenho, sim, a minha opinião, bem fundamentada,e esta é aliás a posição da Quercus,de que há alternativas à incineração nos Açores que não estão a ser discutidas.

RS disse...

Cara Ana Monteiro,

lendo o seu post, tem de concordar que quase não se percebe que é sobre a incineração. Foi precisamente sobre esta questão que falei, digamos que pus o dedo na ferida. A Ana dedica o post ao Director Regional, insere poemas, diz que está desiludida com ele, trata-o pelo primeiro nome, enfim, convenhamos que quase parece uma senhora que acaba de ser abandonada pelo amante, desculpe o exagero. A incineração está ali tão pouco falada que se eu não acompanhasse os seus posts e não tivesse lido a entrevista no AE não percebia nada. Espero que entenda o que quero dizer e não me leve a mal. A minha crítica era precisamente ao seu modo de exposição e não à sua posição, com a qual, repito, concordo. Mas não concordo com o modo juvenil e feminino como a expôs.
Pergunta-me qual é a minha opinião sobre a incineração. Naturalmente sou contra, isto é público, não faria sentido outra coisa. Não tenho de a brindar com uma opinião, isso é outra coisa que está mal, quando muito posso dizer-lha como tenho dito sempre. Repito, a Ana tem muita força mas deve rever um pouco o modo como se expõe.
Penso que não tenho de me voltar a explicar.
As alternativas à incineração deviam ser discutidas publicamente.
Deixo-lhe este rabinho...

Ana Monteiro disse...

Acho que já se expôs muito bem e para quem me acusa de não manter respeito e a distância quando criticamos alguém publicamente, eu diria que está pecar por falta de coerência. Em relação à sua crítica "ao meu modo feminino" de expor as coisas, lamento que o cromosoma XX o incomode assim tanto, mas sou mulher e não há nada a fazer em relação a isso. Não leve isto tão peito, nem para o lado pessoal, afinal não se esqueça que não me conhece,embora presuma (erroneamente) que conhece as minhas feridas. E uma vez que não concorda com a incineração, não desperdice tanta energia comigo, tranfira-a para a defesa da causa ambiental. A sede da Quercus estará sempre aberta a quem quiser colaborar, discutir ideias e pontos de vista. E mais não digo, porque há coisas realmente importantes para fazer.

"Perdu c'est celui qui a perdu sa passion".

Sandra disse...

Também sou mulher e tenho coisas a perguntar, acrescentar e responder.
Pergunta minha: se a incineração faz potencialmente mal à saúde, porque é que ninguém se lembrou de ouvir a opinião dos responsáveis pela Saúde no arquipélago em relação a esta possível situação?
Resposta ao post: os jornalistas nunca fazem perguntas incómodas porque recebem as notas de imprensa já feitas da mão do governo e já chegámos ao ponto em que combinam com eles as perguntas que lhes vão fazer. Há dúvidas?
Senhor RS: agora estou a acrescentar, eu percebo o post e indignação, não concordo com o que diz. Quando estamos a falar de um Director que logo à partida diz a toda a gente que o podemos tratar pelo nome e por tu, dá o seu telemóvel a todos, está sempre a mandar mensagens e emails, a convidar para jantar, e etc, perde-se toda a distância. Querem respeito, deem-se ao respeito, como diz a minha mãe. Quando o sr diz que eles utilizam as pessoas, aí concordo, é tudo fachada para obter da gente o que querem, só não percebe quem é tolo ou tola.

Ana Monteiro disse...

Adenda: leia-se que também não tratei o Dr Álamo Meneses por Sr Secretário Regional. Mais uma vez sublinho que a minha intenção nunca foi faltar ao respeito ou dar a impressão de proximidade com nehuma das duas pessoas em questão, até porque ela não existe.
Em relação aos poemas... estes não foram os primeiros, nem serão os últimos. São uma forma de expressão livre, como qualquer outra e não um qualquer lirismo de "senhora abandonada pelo amante" (risos). E já agora, segue mais um de Miguel Torga:
Recomeça
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.

Os Açores merecem!

RS disse...

Cara Sandra,

a sua pergunta e a sua resposta fazem ambas muito sentido. É pena que não tenham tido nenhum eco aqui.

Quanto ao seu acrescento, aproveito o ter utilizado uma frase da sua mãe para lhe responder com uma frase da minha santa mãe também: Quem tem uma mulher, sofre uma; o mulherengo, tarde ou cedo, sofre muitass mais.

E assim me despeço, com uma citação ao gosto da cara Ana Monteiro (que já não se recorda de mim e aproveito para corrigir que XX são dois cromossomas e não um, mas acredito que tinha sido da pressa): "A ilusão é tanto da responsabilidade do iludido como de quem iludiu". Concentre-se na Quercus e na incineração. Deixe a literatura para os das Humanísticas.