sexta-feira, 29 de abril de 2011

“Ferraria, lugar de repouso, reflexão e cartaz turístico”, por Johann Eckhard Deisenhofer

Há pouco menos de 12 anos, em Novembro de 1999, foi com estas palavras que António Ferreira Leite intitulou o capitulo sobre o Lugar da Ferraria no seu livro “Um Olhar de Observação Sobre os Ginetes (Editado pela Assembleia de Freguesia de Ginetes no ano de 2001). É certo que, se fosse hoje, o antigo padre dos Ginetes não usaria este título. Ao longo da última década foram muitas as mudanças que ocorreram neste lugar e que, ao mesmo tempo, apareceram outras tantas ideias para o mudar. Agora existe um parque estacionamento, junto ao edifício das “Termas da Ferraria”, geridas como “Palco de Bem Estar”, com piscina exterior e restaurante na zona daquele nobre edifício, totalmente reconstruído. Porém, na zona balnear encontra-se um bar, que nunca abriu, sanitários e vestiários degradados, restos de uma panóplia de solários duas vezes construídos e pela força do mar derrubados (parafusos, tábuas de madeira, vestígios de betão...). Ali subsiste também o esqueleto de uma escada, ancorada na baía; restos de cordas completam a imagem da tristeza! Através da comunicação social chegou a informação de que o Governo, através da Direcção Regional do Mar, está a “equacionar as melhores soluções” para as Termas da Ferraria e que a Secretaria Regional da Economia publicou um Aviso a comunicar que pretende delimitar uma área específica de concessão de recurso geotérmico no lugar da Ferraria. Entretanto a afluência dos turistas não pára, muitas vezes guiados por operadores turísticos ou simplesmente encaminhados por taxistas. Mesmo na época baixa, como no mês de Janeiro, pode-se observar, quase que diariamente, cerca de 20 indivíduos dentro de água. Até pessoas incapacitadas, andando apoiados em muletas, com muito esforço, acabam por entrar também no porto, auxiliados por familiares ou amigos, na esperança de um alívio para as suas maleitas. Em suma, esta lamentável situação faz da Ferraria não mais um lugar aprazível para reflexão mas, pelo contrário, deve ser ela própria objecto de uma profunda reflexão. Antes de se decidir medidas novas para aquele espaço, único no Mundo, é preciso considerar que a Ferraria, à semelhança de outros lugares, é muito vulnerável: este canto oeste da Ilha de São Miguel é uma zona propícia a tempestades violentas , com ondas que podem atingir alturas superiores a dez metros, que há muitos dias com ar extremamente salgado e corrosivo e que erupções vulcânicas ou terramotos podem causar desabamentos de pedras ou até tsunamis. Também se deve ter em conta que a quantidade das águas mineromedicinais da nascente térmica é limitada, visto que a zona para captação de águas chuvosas, que fica situada no extremo da ilha, não pode ser grande (provavelmente não muito mais do que o Pico das Camarinhas). Por fim, é preciso ter em consideração que o lugar da Ferraria foi classificado como Monumento Natural Regional, pela sua beleza natural e pelas suas características únicas. No hemisfério norte do nosso planeta não deve existir outro sítio comparável com a baía da Ferraria, onde a natureza oferece no mar uma mistura das diferentes águas, com efeitos terapêuticos comprovados. Assim, não é de admirar que, há mais de 12 anos, a Ferraria passou para cartaz turístico, com todos os problemas e possibilidades daí emergentes. Porém, de todas estas estranhas circunstâncias atrás referidas, surge a ideia, muito estranha, de qualificar uma parte do Lugar da Ferraria como recurso geotérmico. Ora, pelas razões que a seguir indico, deve esta ideia desaparecer por completo e ser arquivada, para sempre, na gaveta mais baixa da secretária do Senhor secretário regional da Economia: - A ideia é um atentado contra o ambiente, comparável com uma proposta de construção de um parque eólico na Cumeeira da Caldeira das Sete Cidades ou com a exploração geotérmica do Parque Terra Nostra, nas Furnas. - O aproveitamento do lugar da Ferraria como atracção turística e a produção de energia eléctrica, no mesmo lugar, são concorrentes - um exclui o outro! O Governo optou e com bom senso pelo turismo, tendo inclusive já investido muito dinheiro. - A prosseguir com aquela opção, podem esses estudiosos garantir que mais uma exploração da nascente de água quente termal não vai influenciar o curso e uso já existentes, perante a limitada quantidade da água? É uma pergunta que deixo no ar. - A Constituição Portuguesa refere na parte II “Organização Económica”, Titulo I “Princípios Gerais”, Artº .84, alínea c) : “Pertencem ao domínio público ....., as nascentes de águas mineromedicinais,...”. A concessão da preciosa nascente mineromedicinal da Ferraria, como recurso geotérmico, parece-me ser contra o espírito da Constituição! A zona balnear podia ser melhorada com a reparação e manutenção dos edifícios já existentes e com a organização e planeamento da limpeza. Esquecer-se os solários e melhorar o acesso ao mar, com uma faixa de betão preto, são soluções simples e económicas. De resto, devem ser cumpridos as recomendações com que António Ferreira Leite terminou o seu artigo de Novembro de 1999: “A Ferraria é um precioso cartaz de turismo, assim deve ser vista pela autarquia local. O turista procura a Natureza pura, original. Está farto da paisagem humanizada, onde a mão do homem é constante. Por isso, transformar aquele recanto singular em lugar de veraneio ou em paisagem humanizada é destruir criminosamente a sua beleza e identidade.”


Fonte: Açoriano Oriental

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