terça-feira, 12 de abril de 2011

A Açorianidade e a natureza das ilhas

O texto de Nemésio é mais uma prova de que a natureza destas ilhas nos molda. Elas pertencem-nos e nós a elas pertencemos. Agredir a natureza destas ilhas é como agredir uma pátria ou mátria, como diria Natália Correia.

(...) Quisera poder enfaixar nesta página emotiva o essencial da minha consciência de ilhéu. Em primeiro lugar o apêgo à terra, êste amor elementar que não conhece razões, mas impulsos; - e logo o sentimento de uma herança étnica que se relaciona íntimamente com a grandeza do mar. Um espírito nada tradicionalista, mas humaníssimo nas suas contradições com um temperamento e uma forma literária cépticos, - o basco espanhol Baroja, - escreveu um livro chamado Juventud, Egolatria "O ter nascido junto do mar agrada-me, parece-me como um augúrio de liberdade e de câmbio". Escreveu a verdade. E muito mais quando se nasce mais do que junto do mar, no próprio seio e infinitude do mar, como as medusas e os peixes (...)


(...) Meio milénio de existência sôbre tufos vulcânicos, por baixo de nuvens, que são asas e de bicharocos que são nuvens, é já uma carga respeitável de tempo, - e o tempo é espírito em fieri. Somos, portanto, gente nova. Mas a vida açoriana não data espiritualmente da colonização das ilhas: antes se projecta num passado telúrico que os geólogos reduzirão a tempo, se quiserem... Como homens, estamos soldados històricamente ao povo de onde viemos e enraïzados pelo habitat a uns montes de lava que soltam da própria entranha uma substância que nos penetra. A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns cinqüenta por cento de relatos de sismos e enchentes. Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e de pedra. os nossos olhos mergulham no mar (...)



Coimbra (Cruz de Celas) 19 de Julho de 1932

VITORINO NEMÉSIO Excerto de um texto escrito para a Insula, no V centenário do descobrimento dos Açores

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